quarta-feira, dezembro 23, 2015

A LUA QUASE AZUL E CHEIA


 Na noite da última lua azul, 31 de julho de 2015, fomos para a sítio e ela nos acompanhou o tempo todo. Numa parte da estrada em que há matas de ambos os lados e algumas curvas acentuadas, reduzi a velocidade do automóvel, apaguei os faróis e dirigi por uns dois quilômetros só com as lanternas acessas, por segurança. Realmente havia uma cor azulada no ar, um tom esmaecido nos vultos de pedras, barrancos e árvores. Parecia que flutuávamos sobre a estrada.
A lua, própria, continuava cor de prata, mas, talvez, quem dera esse nome a ela - quando aparece duas vezes em um mesmo mês - tenha passado por igual experiência do tipo que passamos. Na realidade, o ar estava cinza azulado e, com o movimento do carro, os contornos da paisagem ora brilhavam ora ocultavam sob a sombra das matas. Foi alguns minutos, mas para jamais esquecer.
Lembrei-me, então, das crenças, lendas e cultos à lua, principalmente à lua cheia. Esses existiram desde a pré-história e entre praticamente todos os povos da terra. A lua sempre foi vista como mais misteriosa que o sol, talvez um pouco tímida, fria, mutante. Por isso ela é ligada às estações mais do que o astro rei. Simboliza também mudanças, o passar dos tempos, as fazes da menstruação feminina, por isso foi ligada à gravidez, à fertilidade. Na verdade a lua é um elemento essencialmente feminino na longa tradição de culto e veneração por sua presença e seus quatros estágios.
Na china há lugares apropriados para as pessoas visitarem a lua literalmente. Lugares altos, no cume de montanhas, onde as pessoas levantam os braços e sentem a sensação de que podem quase tocá-la. No oriente existem lugares chamados de “palácio da lua”, “bosque da lua cheia”, “montanha da lua”. Há até uma festa chamada de “bolo da lua”. Em Macau é um evento que se comemora até os dias de hoje.
A lua está ligada ao namoro, portanto ao amor, à saudade, simbolizando uma carga de sentimentos poéticos e de felicidade.
No interior do Brasil, quando ainda não havia energia elétrica, os dias de lua cheia eram ocasiões para os visinhos visitarem-se uns aos outros. Iluminados pela lua, tomavam as trilhas da roça ou do pasto, um atalho que sempre levava ao vizinho de cima, ou ao vizinho de baixo.
Os povos antigos cultuavam deusas que se confundia com o astro lunar e tinham papeis determinados a cumprir no meio dos humanos. Eram deusas da fertilidade ou protetora da caça, da mulher grávida, da criança, dos amantes. Para os gregos a lua cheia era a deusa Selene, para o romanos era Diana, para o babilônicos era Ishtar.
Os astrólogos ligam a lua ao fenômeno natural dos ciclos e das mudanças.
O mais óbvio e que influencia diretamente os seres humanos é a maré, provocada pela gravidade da lua.
Nas tradições de todos os povos a lua rege quase tudo na vida, desde o crescimento dos cabelos, o viço das plantas, ou a sorte e o azar dos seres humanos.


Eu, da minha parte, tirei a noite seguinte para sair para a divisa da floresta, sentar num tronco caído e relaxar, lavar o espírito com o banho daquela luz prateada e ouvir os ruídos do vento suave sobre as folhas e galhos das árvores mais altas. Os grilos pareciam mas animados e alguns vaga-lumes piscavam entre os troncos. Era uma  oportunidade de olhas a encosta do monte e ver tudo num tom cinza, quase preto e branco. As cores desaparecidas tornavam a paisagem estranha e quase irreconhecível. Não era bela, mas emotiva, meio romântica talvez.  

sexta-feira, novembro 27, 2015

CICLOVIAS E OUTRAS CICLOAVENTURAS




O povo paulistano, neste ano de 2015, sempre fala, com ironia, que tem um prefeito que é louco por ciclovias. Mas não vou falar desse sujeito que acha que sabe o que é melhor para os outros. Isso é gente perigosa para a sociedade. Os paulistanos fariam bem em não dormir sossegado, tendo um alcaide desses.
Mas desejo falar da bicicleta em si ou das virtudes de se aventurar por trilhas com esse veículo de duas rodas. Não acho graça nenhuma praticar ciclismo na cidade. Parece não só perigoso como nada recomendável à saúde. Respirar o ar poluído por automóveis é sacrificar os pulmões.
A bicicleta serve para fazer trilha de uma maneira bastante agradável, pois não gera ruído e possibilita ao amante da natureza rápidos deslocamentos que não é possível a pé.
Sempre gostei de trilhar a mata com mochila nas costas, pedalando relaxadamente uma bicicleta de 18 marchas.
Fazia um programa dessa natureza nos arredores da grande São Paulo, em lugares com muita mata, pedras, montes e riachos. Mas há regiões perigosas, principalmente aquelas próximas a vilas formadas por invasões. São áreas habitadas por gente pobre, distantes do centro, que aproveitam terrenos abandonados, proprietários ausentes ou desconhecidos. Pode ser inclusive áreas com restrições legais de construção, mas que, por descuido ou negligência das autoridades, foram invadidas e povoadas de um dia  para o outro. Esses lugares isolados e distantes acabam sendo esconderijo de fugitivos da lei e desocupados de toda espécie. Embora muitos desses moradores sejam gentes honestas e trabalhadoras, a ausência de autoridade facilita a presença de indivíduos que, se cruzarem com você, enxergará apenas uma presa fácil para roubar sua bicicleta e sua mochila, talvez até seu tênis. Aconteceu isso como um amigo e não desejo compartilhar com ele essa experiência.  
A última vez que perambulei pelas trilhas foi numa área distante de estratos urbanos e pude cruzar com um casal de capivara deitado na sobra junto ao córrego. Com a minha aproximação, os dois animais levantaram e saltaram na água, nadando para uma curva uma dezena de metros adiante. Vi muitas aves e pássaros. Parei numa parte alta do terreno, alertado pelo ruído estranho na copa das árvores. Olhei e vi um bando de bugios, saltando de um galho ao outro. Uma fêmea carregava seu filho nas costas. O macho, mais corpulento e com uma juba meio marrom, parou e me encarou. Olhei-o em silencio, sem fazer nenhum movimento. Acredito que percebeu que eu não era uma ameaça, pois virou lentamente e subiu pelo tronco mais grosso da árvore, saltou para outra galhada e se afastou, seguindo as fêmeas.
Mais tarde vi um veadinho saltar de um descampado para o mato e fugir quebrando ramos e contornando as pedras do meio da mata.
Na volta presenciei mais um gracioso animal que é o esquilo. Ele estava no chão, catando coquinhos. Quando me viu correu para um tronco, subiu por ele até uma altura de três metros, parou e me encarou, soltando curtos gritos, uma espécie de latido agudo e rápido.
Devo ter viajado por uns 30 quilômetros meio em ziguezague, incluindo a volta. Não havia poluição, só o cheiro de flores e de ervas desconhecidas. Se tivesse caminhado a pé teria feito um terço desse percurso. Não fiquei cansado, pois pedalei com calma, mais interessado em ver os detalhes da floresta e da vida que habita ali.


quarta-feira, novembro 11, 2015

A NATUREZA NÃO SE PROTEGE POR DECRETO



A vida selvagem, principalmente animais de médio e grande porte está extremamente ameaçada pela urbanização, mais precisamente pela presença humana em toda parte. As regiões rurais são cortadas por estradas e divididas em blocos, chamados sítios e fazendas, que possuem casas, gados, porcos, galinhas e cães. Com exceção da maior parte da Amazônia, todas as terras do país são retalhadas e possuem donos. A simples presença disseminada de seres humanos por toda parte já é uma grave ameaça a vida selvagem. Mesmo que todos tivessem perdido o hábito de caça e deixassem os animais em paz, sua mera presença já seria um sério obstáculo a sua existência. Os defensores da fauna e da flora insistem em pedir leis severas, restrições de toda espécie e proibições infinitas,mas passam ao largo da questão principal que é a superpopulação do mundo. Podemos resumir a questão a uma só: tem gente demais nessa limitada espaçonave chamada planeta terra.

Cada individuo que nasce demanda comida e espaço, o que significa menos espaço e menos comida para animais que necessitam de algum território exclusivo para poder viver e se reproduzir. Criar parques e áreas protegidas é um débil paliativo. Combater o agronegócio é uma estupidez,  pois só a moderna agricultura é que pode matar a fome de mais de sete bilhões de  seres humanos. Os países ricos já pararam de crescer há um bom tempo, mas quase todas as nações pobres estão enfrentando uma explosão demográfica. Como encarar esse problema é uma questão que precisa estar ao lado do esforço para proteger leões e tartarugas. As soluções de controle de natalidade, tipo imposição governamental gerará tanto sofrimento e restrições da liberdade individual quanto levar tratamentos e  remédios para combater a mortalidade infantil e não levar um plano para discutir planejamento familiar. Vemos esse problema no Haiti, onde combateram com certa eficiência as doenças que matavam crianças, mas esqueceram de levar meios de modernizar a economia, não defenderam liberdade de negócios e empreendimento para aquele  povo. E, afinal, a queda do índice de mortalidade infantil só aumentou o número de pobres e miseráveis. O mundo precisa ficar rico para poder diminuir sua população. E só ficará rico quando houver liberdade econômica. Muitos desejam socializar a pobreza e assaltar  os países ricos para alimentar os povos que passam fome. Só conseguirão tornar todos pobres. Só protegeremos nossas matas, rios e animais quando já tivermos garantido nosso sustento e conforto. Assim, sobrará recursos econômicos para preservamos boa parte das florestas e de seus habitantes.

quinta-feira, outubro 15, 2015

O JARDIM DE DARWIN


Down House e a Origem das Espécies

De: Michael Boulter

 Considerando que já li muita coisa sobre Darwin, curtas biografias e outros escritos, ler este livro foi complementar e ampliou mais o meu conhecimento sobre ele.
Quero destacar que Darwin, ao contrário de muitos outros, jamais deixou de ser cientista e de limitar-se ao método científico, resistindo à tentação de estabelecer crenças ou hipóteses que pudessem posteriormente revelar-se equivocadas.
Comparo imediatamente a Marx ou mesmo a Freud, ambos pouco atentos aos limites que separam o conhecimento cientifico das teorias metafísicas. Freud, que inicialmente atinha-se à pesquisa séria e cautelosa, enveredou-se posteriormente pelo caminho das comparações da natureza humana com lendas antigas e tradições místicas.
Marx, dominado pela filosofia Hegeliana, confundia objetivismo dialético e jogos de palavras com objetivismo científico.

Darwin, da sua parte, manteve-se fiel a postura científica, e raramente desviou-se dela, permanecendo cauteloso e paciente, mesmo quando se sentia convicto de que suas idéias e conclusões estavam corretas.

terça-feira, setembro 29, 2015

DE ONDE VEM NOSSO ALMOÇO

Nunca cruzei com uma pessoa, na cidade, que tivesse interesse em saber como chegam a ele os produtos de seu almoço. A vida rural é que viabiliza a vida urbana, mas pouca gente se lembra disso. Um indivíduo que nasceu e vive numa metrópole raramente se detém para pensar como o feijão veio parar na sua panela ou como uma caixa de cenouras chegou à quitanda, de onde comprou. Um amigo contou-me que, ao visitar uma fazenda com seus dois filhos, esses faziam tantas perguntas sobre o que era o que viam que se sentiu o mais ignorante dos pais. O caçula do dono da fazenda teve que vir em seu socorro e pacientemente dedicou a tarde inteira a ciceronear as crianças pelos pastos, currais e lavouras. Os caipiras da cidade queriam saber, desde como o leito ia parar na caixinha de papelão, quanto porque o café era vermelho e não preto como aquele que estavam acostumados a tomar de manhã.   
O lavrador nunca foi exemplo de cultura e erudição, longe disso. A imagem que vem, espontaneamente, ao citadino é a do Jeca Tatu. Mas, embora a vida rural tenha representado, historicamente, o papel de reserva da ignorância e do analfabetismo, muita coisa mudou. Hoje, produzir alimentos para abastecer a cidade é um empreendimento como qualquer outro que se desenvolve numa grande cidade.

Mas o que desejo destacar é outra questão. Embora nosso país não tenha uma forte tradição de romantizar a vida junto à natureza, há, e de certa forma sempre houve, um pequeno contingente de pessoas que poetizam a vida da roça. Alguns com exagero, mas outros, sem fantasias irreais, defendem a escolha de viver num ambiente mais natural, sem poluição, sem ruídos desagradáveis e longe da correria das grandes metrópoles dos dias de hoje. Imagino que  é extremamente difícil encontrar alguém que não se emociona quando vê, no horizonte, entre os picos escuros das montanhas, um pôr de sol, com o céu pincelado de nuvens douradas e sem formas definidas sobre um fundo azul esmaecido. Nesse momento pode olhar ao redor e admirar as matas e os pastos salpicados de gado branco e pequenas torres de terra dos cupins operosos. É uma satisfação que não se consegue sentir na cidade e seu horizonte de arranha céus. 

sexta-feira, setembro 11, 2015

TEM AMIGO QUE É MAIS QUE AMIGO



Uma historinha contada por John Adams,lá no final do século XVIII, é muito reveladora e tocante. Vale lembra que Adams, um dos pais fundadores dos Estados Unidos da América, foi, depois, presidente daquele país.
 Disse ele: um amigo me contou que viu um mendigo na rua próximo a sua casa, sentado na calçada, acompanhado por um cão. O homem era muito magro e tinha sinais evidentes de que passava fome a maior parte do tempo. Seu cão também parecia não levar uma vida melhor, pois mostrava as costelas por baixo do pelo sem brilho e cheio de falhas. O amigo de Adams condoeu-se pelo pobre homem. Foi até a cozinha e pediu para a cozinheira prepara uma tigela de comida, com feijão, carne e biscoitos.

 Levou a vasilha para o mendigo  que estendeu a mão suja para receber o presente, agradecendo. O cão, sentindo o cheiro de boa comida, agitou o rabo e grunhiu. O homem separou os pedaços de carne e deu ao cão que comeu com desespero. O amigo de Adams vendo aquela cena, não se conteve e interpelou o mendigo, o aconselhado a se livrar do cão em vez de repartir a comida com o animal. Mas este retrucou: se eu não repartir a comida com ele, quem vai me amar? 

terça-feira, agosto 11, 2015

Pergunta impertinente: Afinal, a riqueza trás ou não a felicidade?



Gosto de chamar esse tipo de pergunta de pergunta de segunda ordem, ou seja, ela trás em seu bojo uma série de pré-conceitos que, se não forem analisados antes, não adianta responder a uma pergunta desse tipo, pois ela pode não ter sentido algum e responder sim ou não, pouco importa. Se você estiver fazendo uma pesquisa para ver o  que  pensam as pessoas vá lá, pode ser que faça algum sentido. De qualquer forma se noventa e nove por cento das pessoas pesquisadas responderem sim em vez de não, ou não em vez de sim, revela apenas opiniões e opiniões não são critérios de verdade. Quando se faz uma pergunta dessa, revela-se que as pessoas buscam felicidade fora de sim, em coisas, em outras pessoas, em consumismo, em festas, em viagens a lugares fúteis. Antes de tentar responder uma pergunta como essa, não faz mal nenhum perguntar se a felicidade está na diversão, na gastança, no luxo ou está na vida simples, na vida regrada, modesta mas suficiente. Pode-se também analisar a possibilidade de a felicidade ser encontrada na compreensão da vida, no autoconhecimento, na sabedoria de fazer escolhas que não tragam prejuízos físicos, psicológicos e financeiros. A maioria das pessoas passa suas vidas sem exercitar seus músculos mentais e usam o tempo consumindo as energias do corpo muito próximo da forma como vivem os animais. Vivemos rigorosamente do cultivo de uma espécie de pobreza de espírito, talvez acreditando que com isso conseguiremos acreditar que somos eternos, indestrutíveis e inteligentes o bastante para enganar a casualidade, a corrosão do tempo e a precariedade da vida. Mas, a todo o momento vemos gente surpreendida pela morte, pelo acidente furtivo, pela doença inesperada, pelas amargas conseqüências de escolhas feitas sem avaliações críticas. Muitos acordam tarde de mais para descobrir que viver não é uma eterna brincadeira e que a tragédia ou a boa sorte tem mais ou menos a mesma probabilidade de nos surpreender a qualquer momento. 

terça-feira, junho 30, 2015

ESQUILOS E FRUTOS

O alto do muro, coberto de mofo cinza, era uma espécie de estrada para os esquilos. Os dois desciam pelo tronco da árvore de cabeça para baixo e saltavam para o muro. Dali, corriam até a outra árvore, alcançavam o galho mais baixo e desciam ao pé da palmeira. O chão estava forrado de coquinhos amarelos. O primeiro esquilo pegou um coquinho, correu até um monte de pedra e ali começou a descascar o fruto. O outro subiu pelo tronco da palmeira até o cacho, olhou para baixo e, em vez de derrubar ou tentar colher os coquinho, voltou correndo para baixo, pulou no chão, catou um fruto e subiu novamente no trono. Um metro acima alcançou uma espécie de ninho de orquídeas e bromélias que cresciam agarradas à casca da palmeira, escorou as costas no trono e passou a roer o fruto, calmamente. Não havia sol e o céu, coberto pelas nuvens, parecia prestes a despejar água sobre a mata, ainda úmida da última chuva. O lombo do esquilo que roia o coquinho sobre as pedras estava molhado e uma pequena folha parecia colada abaixo de suas orelhas. Um pássaro pousou no galho da árvore próxima. O esquilo olhou para ele, piscou as pestanas e voltou a roer o fruto. O pássaro desceu ao chão, mas não estava interessado nos coquinhos. Bicou a terra em alguns lugares, achou uma lagarta nas folhas do ramo, pisou sobre os coquinhos e saiu saltitando em busca de uma borboleta que rodeava uma flor branca do jardim.
Eu, quieto, os observa, controlando até a respiração. Nada no mundo me faria interromper aquele momento em que, concentrados em roer seus coquinhos, sentiam-se sem nenhuma ameaça visível.  
Quantas dificuldades não enfrentariam em sua constante corrida à procura de comida!                        
Na floresta, não havia muitas outras palmeiras com coquinhos como aquela. Nem todas as árvores dão frutos comestíveis e as que frutificam não produzem em qualquer época. Deve haver períodos em que fica extremamente difícil encontrar alimentos e deve ser trabalhoso para eles evitar a fome.
Nós humanos damos muito valor a uma casa, aquele refúgio, da janela do qual observamos o mundo. Mas, onde seria a morada desses animaizinhos? Teriam uma toca no troco de um velho ingazeiro ou quem sabe uma caverna nas pedras da encosta da montanha? Teriam filhotes, que naquele momento estivessem dormindo em suas camas de musgos no fundo daquela abertura na rocha? E quantas horas do dia passariam correndo pelos troncos, galhos e penedos a procura de comida?
Imaginei que fossem um casal embora nem conseguisse ver diferença de tamanho ou de cor dos pêlos entre um e outro. Era possível que fossem eles um casal.


Seria um casal permanente ou na próxima estação sairiam cada um para seu lado, a procura de novas parcerias?

Depois de roer uma dúzia de coquinhos, o esquilo que estava sobre as pedras correu pelo chão, saltou no galho mais baixo da árvore e partiu, pulando de um tronco ao outro. Seu parceiro olhou por um momento em minha direção, lançou o coquinho para longe e correu atrás do outro esquilo. Rapidamente desapareceram na folhagem.

quinta-feira, maio 07, 2015

AS LEIS NÃO SÃO MÁGICAS

Eu vinha pela rua, atravessando na chamada faixa de pedestre, quando um carro apareceu bruscamente e, sem ligar a seta, dobrou à sua esquerda em minha direção. Eu já estava quase no meio da rua, e o motorista do carro tocou na buzina em advertência e passou rapidamente pelo espaço entre eu e a calçada, a trinta centímetros de mim. Instantaneamente subiu-me um ódio do motorista apressado e lembrei quase simultaneamente da lei de direitos do pedestre. Era uma raiva, inicialmente contra o tal motorista, mas depois foi se desviando para as leis de trânsito. Perguntei a mim mesmo como seria minha raiva se não houvesse nenhuma lei de trânsito?  Estaria eu menos protegido do que estive naquele momento, com todas essas leis e esses regulamentos de trânsito?. Afinal, para que serve a lei? Ou precisamente: essas leis tem alguma funcionalidade para me proteger, talvez por meio de  algum poder divino, de não ser atropelado?

O problema dessas leis, como muitas outras,  é que demandam um aparato policial, demandam vigilância, demandam um corpo de pessoal com a função, ou de forçar as pessoas a cumprir as leis, ou de castigar. Agora, quantas faixas de passagens existem em São Paulo, quantos cruzamentos em encontros de ruas e avenidas, sendo a cada momento utilizados pelos milhões de pedestres?
Para que leis, com a intenção de proteger os pedestres, fossem realmente eficientes, seria necessário  um policial em cada esquina, ou uma autoridade qualquer, com o poder de multar, prender ou pelo menos inibir esses atos. 

quinta-feira, abril 16, 2015

INTELIGÊNCIA OU SABEDORIA

Quero trabalhar a questão da diferença entre “inteligência e sabedoria” visto que nos tempos atuais a palavra sabedoria entrou em desuso e com isso a diferença entre ambas as expressões também se esvaneceu.  E isso é lamentável.
Inteligência é um componente da sabedoria, mas não é sabedoria. Sábio, como entendo, é todo aquele que antes de agir ou falar mede as conseqüência posteriores e tem inteligência suficiente para saber se essas conseqüências serão boas ou más. 
Inteligente é aquele que aprende rápido, domino conhecimentos úteis. Por exemplo, uma pessoa pode ter o domínio da matemática, da música ou da marcenaria, isso é ser inteligente nessas questões. Já sabedoria tem um sentido abrangente, não especifico. Portanto, sábio é todo aquele que tenda desvendar todas as relações de causa e efeito, entender a natureza humana e saber como agir sem negá-la. O sábio seria todo aquele que usa a inteligência para compreender, para ver, nas relações humanas diretas e, nas relações humanas com a natureza, os efeitos e conseqüências dos atos e escolhas tanto de si mesmo quanto dos seus semelhantes. O sábio não fica comprometido com ideologias ou religiões, pois tem uma consciência ampliada, vê o mundo em quatro dimensões, ou seja, percebe que as três dimensões estão inseridas numa quarta dimensão que é o tempo. Isso quer dizer que compreende que é um produto da história, que vive as conseqüências das escolhas de gerações passadas, que muita coisa do presente é efeito e não causa. Portanto seus recursos para mudar a realidade são limitados, quando não impotentes.  Como diria Sócrates, o filósofo grego do século V antes de Cristo: “Só sei que nada sei”. Ele conhecia suas limitações, por isso era um Sábio.

O antônimo de inteligente é inepto. O antônimo de sábio é néscio. Portanto inteligência é oposta pela inaptidão e a sabedoria é oposta pela necedade. 

quarta-feira, fevereiro 18, 2015

VIZINHOS E ESTRANHOS


Eu morava na cidade, cercado de vizinhos com suas casas de muros altos e portões automáticos. O morador da casa ao lado saia cedo. Ouvia apenas o barulho do motor de seu automóvel e o latido do cão de guarda. O vizinho da frente saia toda manhã para caminhar e voltava meia hora depois, me desejava bom dia quando me via saindo, fechava o portão de grade e sumia no interior da casa. Num raio de uma centena de metros havia quase vinte casas bem construídas; a maioria assobradada e ampla. Apesar dessa proximidade, ninguém conhecia ninguém por nome. Cumprimentavam-se quando ocasionalmente cruzassem pela calçada ou quando um deles saia da garagem com seu carro e o outro do outro lado também manobrava o veículo para ir ao trabalho.
Vivíamos numa grande cidade mas não éramos uma comunidade. Ninguém saia de casa ao anoitecer para visitar o outro e prosear por algumas horas. Cada um cercava seu mundo com muros altos assim como levantavam paredes reforçadas em volta de suas habitações.
Certo dia, abri a janela e vi o vizinho da frente, aquele que gostava de fazer caminhadas nas primeiras horas da manhã. Estava abrindo seu portão, quando dois sujeitos estranhos se aproximaram. Um deles apontou uma arma para o homem e pediu a chave do carro. Os dois elementos pularam dentro do veículo e manobraram rapidamente para fora. O vizinho olhava paralisado. Antes de acelerar em disparada o assaltando passageiro esticou o braço com o revolver e atirou. O vizinho dobrou o corpo e caiu no chão. Corri ao telefone e disquei para a policia e para o pronto-socorro. Depois desci correndo e sai na rua. Já havia uma meia dúzia de pessoas, inclusive a esposa do vizinho que chorava agachada segurando a cabeça o homem, enquanto ele gemia com a mão no peito. Quando o pronto socorro chegou, a vizinhança estava toda na rua, em volta do ferido. Vi o vizinho do lado direito, o vizinho do lado esquerdo e os vizinhos do outro lado da rua. Estavam ali mais de vinte pessoas, todos preocupados, angustiados e inquietos.
Logo estávamos todos conversando e criticando a falta de segurança, a impunidade, a ineficiência da justiça e a imoralidade dos políticos. Todos nós falamos uns com os outros como se fossemos velhos amigos.
Enquanto o ferido convalescia no  hospital, todos nós, em horários diferentes, fomos visitá-lo e prestar nossa solidariedade. Agora sabíamos o nome de cada um de nossos vizinhos e por alguns dias fomos uma verdadeira comunidade. Um convidava o outro para visitá-lo e tomar um café, enquanto o morador da casa de muros altos  se oferecia para ajudar a família da vítima se precisasse.

Com os passar dos dias e com o retorno do vizinho do hospital a vida foi lentamente voltando a rotina e todos paramos de nos falar uns com os outros. Alguns meses depois vivíamos como dantes, próximos e isolados. Voltamos a ser uma cidade sem comunidade.

sexta-feira, janeiro 16, 2015

DEPOIS QUE TUDO PASSA, O QUE FICA?

Nosso corpo é finito, nasce da combinação de moléculas e termina com  a desagregação das mesmas moléculas. Antes de ser gerado nós não existíamos, depois de gerado, crescemos, ficamos adultos, envelhecemos e depois morremos, desmanchando toda aquela combinação extremamente complexa de átomos  e tudo o que sobre são moléculas primárias. Nossa pessoa deixa, então de existir, sobrando apenas alguns agregados de cal por mais algum tempo. Antes não existíamos, depois não existiremos mais. O que fica?
Ficam nossas obras. Podem perdurar as conseqüências de nossos atos e as marcas de nossa ação. Quando Leonardo da Vinci montou a tela no fundo do ateliê e começou a esboçar os traços que iam terminar numa das mais famosas pinturas de todos os tempos, pensava no futuro, na imortalidade daquela obra? Pintou ele a Mona Lisa com a intenção de tornar sua pintura uma arte para durar a eternidade?

Da mesma forma podemos imaginar Platão, depois de presenciar seu mestre beber o veneno de  sua sentença, sofrer a angustia de vê-lo apagar lentamente com apenas alguns gemidos, mas, ao mesmo tempo, desejando que todos os que estavam a sua volta continuassem a levar suas vidas da melhor maneira possível. Platão deve ter saído dalí  com a idéia de contar a história de seu mestre e, com isso, imortalizar tanto os atos de Sócrates quanto as suas próprias idéias e crenças. Quando decidiu escrever “A defesa de Sócrates” estaria imaginando que, com isso, deixaria para a posteridade uma obra imortal?