terça-feira, setembro 30, 2008

ERA UMA NOITE VAZIA

Abel Aquino

As largas ruas da pequena cidade estavam vazias naquela madruga de inverno. Alguns cães procuravam restos de lixo nos cantos de muros manchados de umidade. Hugo caminhava sem pressa e angustiado. Havia poucas luzes acesas nos postes de madeira e as partes mais escuras ocultavam os contornos das casas. Quando chegou em frente da sua casa, Hugo parou por alguns segundos, aguçou os ouvidos e não percebeu nenhum ruido ou movimento no interior. Abriu lentamento o portão, passou para dentro e encostou-o mais devagar ainda, evitando fazer qualquer ruido. Seu cão surgiu balançando o rabo e grunhindo. Agachou para acariciá-lo antes que começasse a latir e por instante desejou dar meia volta e ir embora. Enfiou a mão direita no bolso, retirou a chave e aproximou-se da porta. Encaixou a chave na fechadura e girou sem pressa. A porta abriu com um leve gemido das dobradiças. Depois de fechá-la, caminhou no escuro, tocando com as pontas dos dedos nos moveis, cuidando para não esbarrar em nenhuma cadeira e seguiu até a cozinha. Pegou um copo sobre a mesa, encheu de água do pote de barro e bebeu. Ouviu um leve ruido vindo da sala. Olhou naquela direção e viu o vulto de uma pessoa. Hugo gelou.
Sua mulher parou debaixo do umbral da porta que dividia a sala da cozinha e perguntou com a voz rouca e soturna.
- Onde ‘ocê estava, seu traste!
- Bem.... eu.... estava no bar do Chico com amigos... jogando baralho e nem vi as horas passar.
- ‘Ocê me prometeu parar com isso, Hugo!
- Eu sei... mas....
- ‘Ocê é uma porcaria de marido e um péssimo pai.... um sem vergolha!
- Eu não fiz nada grave.... só joguei e bebi um pouco.
- Bebeu um pouco?! Estou sentindo seu bafo de alcool daqui!
- É... bebi um tanto....
- ‘Ocê é cara de páu, Hugo!
- ´Stá me ofendendo....
- Há! Agora tem sentimentos? E sentimentos pros filhos, pra familia?
- É....mas não precisa me lembrar do que tenho que fazer.
- ‘Ocê não tem conserto, Hugo! Vai dormir no sofá e amanhã a gente tem muito que conversar.
Zilda deu meia volta e seguiu para o quarto, batendo a porta. Hugo ouviu o ruido da chave, trancando a fechadura.
Acendeu a luz da sala e procurou alguma coisa para se cobrir. Sobre a poltrona havia uma manta dobrada. Pegou-a. Sentou-se no sofá, soltou os cadarços dos sapatos e espreguiçou. Retirou mecanicamento os sapatos e as meias. Deitou no velho sofá com a cabeça apoiada no canto, jogou a manta sobre o corpo e suspirou. A única coisa que sentia era sono, uma profunda vontade de dormir. Fechou os olhos. Tudo girava dentro de sua cabeça mas sua alma estava serena. Perguntou a si mesmo: - será que eu não tenho juizo mesmo?
Estava tonto demais para pensar; precisava dormir e então dormiu.

quarta-feira, abril 30, 2008

SERRA DA CANASTRA


Aqui nasce o rio São Francisco


Quando a gente viaja pela primeira vez para a Serra da Canastra, há sempre a ansiedade da chegada, do momento em que ela surgirá no horizonte da maneira o mais portentosa possível. No trecho sem asfalto de Piuhmi até São Roque a gente já começa a entrar no clima, ao presenciar a paisagem mais agreste e rude. A poeira da estrada dá a sensação de que a civilização ficou para trás. E sobe morro, desce morro, curva para a direita, curva para a esquerda e a gente de olho no horizonte a procura de vestigio do paredão que se vê nas fotos promocionais. Cruzamos uma pontezinha mal conservada, sobre rio de pouca água e vemos a placa indicando que alí passa o lendário Rio São Francisco. Há um pouco de desapontamento. Do outro lado, a estrada poeirenta segue serpenteando até que avistamos a encruzilhada. À direita segue-se para São Roque, à esquerda segue-se para a cachoeira Casca D'anta, a mais volumosa queda d'água do parque. Quarquer lado que escolher, a gente estará indo em direção da Serra mas terá dificuldade de vê-la por inteiro.

É preciso ir rodeando-a por estradas estreitas e sinuosas, às vezes bem próximo, às vezes mais distante. Há momentos em que é imperativo parar, descer do carro, subir ao barranco e vislumbrar os paredões recortados por quedas d`águas. No lado sul, por onde desce o Rio São Francisco – ainda nos seus primeiros quilômetros de existência – é que se pode presenciar toda a magestade da montanha, estendendo-se como imensa muralha de granito, coberta por vegetação rasteira, arbustos retorcidos e cachoeiras. Viaja mais alguns quilômetros por estrada paralela ao paredão e, depois de passar por casas de fazendas feitas de adobe, cobertas com telha colonial, portas e janelas de madeira lavrada, chega-se a entrada oficial do parque.


A PRIMEIRA VIAGEM

Levantamos cedo, antes do raiar do sol como dizem os camponeses, e seguimos pela estreita estrada que nasce ao lado do cemiterio e segue rumo a portaria principal do parque, no alto da serra. O muro do cemitério é feito de pedras caprichosamente encaixadas umas nas outras de forma que não há espaço entre elas. Musgos e algas verdes crescem por entre os encaixes e dão uma aparência centenária ao muro. Enquanto subiamos, fomos tragados pela neblina e só podiamos ver por meros 4 metros a nossa frente. o jeep ia lentamente subindo e fazendo as curvas ao redor de morros cada vez mais altos. Quando alcançamos a portaria mal podiamos ver a cancela e a construção de pedra que abriga os guardas e o pequeno escritório.
Portaria principal do parque.
Passada a portaria seguimos subindo por mais algumas centenas de metros e então começamos a sair da neblina e conseguimos ver a chamada casa de pedra. Passamos por ela e alcançamos a campina, onde o capim é baixo e exisntem poucas árvores, a maioria pequenas e retorcidas. A campinas fica num planalto, com suaves ondulações do terreno de forma que destacam as pontas das pedras das partes mais altas e as grotas nas partes baixas. Mais a frente avistamos a baixada onde nasce o São Francisco.
Paramos o jipe junto à pequena ponte de madeira, descemos e seguimos a trilha em direção do riacho. Parei ao lado da água e num passo atravessei o São Francisco que ali tem 60 cm de largura.

Caminhamos em direção do Monumento que colocaram em homenagem ao Santo que emprestou o nome ao rio. A Estatua está protegida por cercado de pedras, recolhidas na redondeza.

Alguns quilômetros depois da nascente já não consegui atravessar o rio nem com dez passos. Ali encontramos a primeira cachoeira.

Dentro do parque, Casca D’anta é a maior cachoeira do Rio São Francisco.. Alí as águas se lançam do alto da montanha e arrebentam-se lá embaixo com enorme barrulho. Depois o rio prossegue mais sossegado, contornando a serra, saltando pedras, margeado por matas, sinuosamente rolando, para seguir seu longo caminho a procura do mar.
Mas do alto da montanha, aconpanhando a água, dá para ver só um pequeno pedaço da cachoeira. E olhando no fundo do vale o rio reaparece. Dá para ver a outra portaria do parque, a uns quinhentos metros do pé da serra.

Planalto dentro do parque.

Cachoeira do Serradão nas proximidades do parque. Essa cachoeira faz parte do circuito turistico da região.



Campina das terras altas.


Carro de boi, comum na região. Pena que a maioria desses carros foram abandonados pelos cantos das fazendas. Foram substituidos por camionetes e jipes.

Frondoso piquizeiro que cresceu todo inclinado na encosta da montanha.

Fomos visitar um morador da região. A casa tinha o curral na frente e pomar no fundo. O sítio não deveria ser grande e, da janela da sala, pude ver os contra fortes da imensa montanha. Aquela familia não tinha luxo mas vivia num razoavel conforto. A comida é sempre boa nesses lugares. O próprietário fabricava queijo e para isso mantinha uma casinha ao lado, toda bem fechada, com prateleiras junto às paredes repletas de queijos para curtir. Proseamos com aquela familia até alta hora da noite e no final já éramos íntimos de todo o mundo. Comemos uma espécie de bolinho em formato de charuto e envolto em casca de bananeira. Muito delicioso. Brincamos com o formato do bolinho que lembrava o orgão sexual masculino.

Sede de fazenda cercada por muro de pedra como muitas das que existem no entorno do parque.
A sensação que a gente tem, quando no alto da serra, no planalto levemente ondulado, é de estar mais próximo do céu. As núvens passam baixas e o vento sopra forte e dobra o capim para um lado e para o outro. Por entre o capim, aparecem pedras enormes, manchadas de musgos e enegrecidas pelas frequentes queimadas que acontecem na estação da seca. Alí o céu é baixo mas o horizonte parece quase infinito.
Num primeiro momento a gente não percebe a grandeza do parque.
É curioso, mas é depois de caminhar bastante, ir a muitos lugares diferentes, visitar cachoeiras, subir penhascos, descer caminhos tortuosos e percorreu as curvas do rio, ainda riacho, é que a gente se dá conta da imensidão desse lugar.

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Vigília

Sobre o monte de palhas,
O cachorro dorme enrodilhado.
O menino cata sabugos,
Conversa sozinho e
Faz pipi entre os pés de mandioca.
Dentro da casa as mulheres
Choram o morto à luz de velas.

Apocalipse

O homem e sua espécie de barro,
a sombra sem forma
de nossas gastas escrituras
e a tenaz que não falha.
Mas somos tolos,
com sonhos de travesseiro.
Foi numa manhã:
fizemos montes de areia,
muros, abrigos, marca de dedos.
O gado passou
e o vaqueiro sorriu!
Ficamos olhando nossa cidade
esmigalhada pelas patas pesadas,
as orelhas balançando,
os chifres reluzindo ao sol;
e rimos de nosso mundo desfeito.

Lama Vermelha

Depois da chuva a moça saiu pela estrada. Tirou os sapatos, segurou-os na mão esquerda e, com a direita, levantou as pontas da saia e foi pulando por entre as poças. Os amassa-barros gorjeavam ao lado de suas casinhas no galho das árvores. O caminho era estreito e as folhas das árvores forravam as bordas, ocultando a lama. A moça tinha pressa, quase corria. Seus cabelos esvoaçavam e a gola de sua blusa amarela agitava-se com o vento. Quando chegou à estrada principal, olhou para o norte. Lá distante apontava um carro vermelho. Colocou os sapatos rapidamente. O ronco do motor chegava baixinho, mas foi aumentando. Já podia ver os detalhes do carro; o para-brisa enlameado, o retrovisor dobrado numa posição estranha. Ele se aproximava chapinhando o barro vermelho e as poças dágua abriam-se em ondas raivosas. Quando o carro parou ao seu lado, a moça dobrou-se na ponta dos pés, esticou a cabeça, e recebeu um gostoso beijo do motorista. Pegou sua mão e por um instante olhou dentro de seus olhos. Ele sorria levemente. Ficou parado por alguns minutos - trocaram palavras em voz baixa - depois ele disse tchau e seguiu em frente. A moça permaneceu imóvel por um tempo, feliz, abanando a mão. Retirou novamente os sapatos, segurou-os na mão esquerda e com a direita levantou as pontas da saia e foi pulando por entre as poças, de volta para casa, agora sem pressa, saboreando o gosto do beijo que ficou em seus lábios.

Panambi

Fomos almoçar no restaurante vegetariano. Alí a gente pode saborear uma variedade enorme de comida. Gosto de começar pela sopa de ervilha, depois como saladas e finalmente passo para os pratos quentes: torta de legumes, quibes, bolinhos e macarrão. Não posso deixar de falar do pãozinho que acompanha a sopa e é uma delícia.
Depois fomos andar um pouco no parque do Panambi, batizado de Burle Marx. Ali foram construidas três trilhas pela mata; uma com mais de um quilomentro, outra menor e a última de pouco mais de trezentos metros. As trilhas percorrem - desde um pequeno lago e subindo - as partes mais densas da mata e a gente caminha sob a sombra, contornando raizes e troncos de coqueiros. O ar está impregnado do cheiro das folhas e do humus. Há uma árvore caída e eu resolvemos caminhar por ela como se fosse por uma pinguela. Andamos por todas as três trilhas e percorremos até os atalhos.
Depois fomos para a área de gramado, onde as pessoas - muitos casais com seus filhos - descançam e deixam o tempo passar. As crianças percorrem as alamedas com suas pequenas bicicletas e velocípedes, enquanto os casais de namorados conversam abraçados e olham as placas que indicam os nomes das diferentes árvores.
É inicio de inverno e o tempo está um pouco frio. O sol não chega a aquecer as nossas costas. Resolvemos sentar numa mureta de pedra com os pés suspensos no ar e podendo ver toda a parte baixa do parque, desde a entrada do estacionamente, onde cresce uma enorme touceira de bambu, até a outra extremidade, com enormes jaboticabeiras que fazem sombra sobre as ruinas de uma casa antiga, com paredes de adobe, um tipo de tijolo cru, comum na era colonial.
Depois de mais ou menos uma hora alí sentados, namorando e relaxando o corpo e a alma, resolvemos ir embora. O dia estava terminando.
Um dos maiores problemas dos parques de São Paulo é a superlotação e com ela o acúmula de lixo e a presença de gente de todo tipo. Isso trás intranquilidade. Não sabemos quem está ali para relaxar, quem está para passear ou quem está para roubar. O parque do Ibirapuera é um exemplo disso. Uma cidade grande tem essa característica de você ser obrigado a conviver com desconhecidos, com gente de todas as partes do país. É preciso adotar certa atitude que não teria em cidades pequenas. Nossas áreas públicas são públicas demais, ou seja assustam as pessoas pela possibilidade de ser surpreendidas por acidentes desagradáveis. É triste isso. Mas acredito que seja inevitável em se tratando de uma imensa metrópole. As pessoas não trazem na testa escrito o que são e nós tentamos adivinhar se aquele sujeito encostado naquela árvore é apenas um cidadão descançando ou um perigoso assaltante. A maioria adota a postura de desconfiar de todo mundo e é uma pena. Por isso é muito difícil iniciar uma conversa com desconhecido; todos desconfiam de todos. As vezes criamos esteriótipos de que gente mal vestido, mal encarado, é suspeita. Mas isso só isola as pessoas umas das outras. Numa grande cidade todo mundo constróe muro, não só em volta de casa, mas em volta de si mesmo.