Eu morava na cidade, cercado de vizinhos com suas casas de
muros altos e portões automáticos. O morador da casa ao lado saia cedo. Ouvia
apenas o barulho do motor de seu automóvel e o latido do cão de guarda. O
vizinho da frente saia toda manhã para caminhar e voltava meia hora depois, me
desejava bom dia quando me via saindo, fechava o portão de grade e sumia no interior
da casa. Num raio de uma centena de metros havia quase vinte casas bem
construídas; a maioria assobradada e ampla. Apesar dessa proximidade, ninguém
conhecia ninguém por nome. Cumprimentavam-se quando ocasionalmente cruzassem
pela calçada ou quando um deles saia da garagem com seu carro e o outro do
outro lado também manobrava o veículo para ir ao trabalho.
Vivíamos numa grande cidade mas não éramos uma comunidade.
Ninguém saia de casa ao anoitecer para visitar o outro e prosear por algumas
horas. Cada um cercava seu mundo com muros altos assim como levantavam paredes
reforçadas em volta de suas habitações.
Certo dia, abri a janela e vi o vizinho da frente, aquele
que gostava de fazer caminhadas nas primeiras horas da manhã. Estava abrindo
seu portão, quando dois sujeitos estranhos se aproximaram. Um deles apontou uma
arma para o homem e pediu a chave do carro. Os dois elementos pularam dentro do
veículo e manobraram rapidamente para fora. O vizinho olhava paralisado. Antes
de acelerar em disparada o assaltando passageiro esticou o braço com o revolver
e atirou. O vizinho dobrou o corpo e caiu no chão. Corri ao telefone e disquei
para a policia e para o pronto-socorro. Depois desci correndo e sai na rua. Já
havia uma meia dúzia de pessoas, inclusive a esposa do vizinho que chorava
agachada segurando a cabeça o homem, enquanto ele gemia com a mão no peito.
Quando o pronto socorro chegou, a vizinhança estava toda na rua, em volta do
ferido. Vi o vizinho do lado direito, o vizinho do lado esquerdo e os vizinhos
do outro lado da rua. Estavam ali mais de vinte pessoas, todos preocupados,
angustiados e inquietos.
Logo estávamos todos conversando e criticando a falta de
segurança, a impunidade, a ineficiência da justiça e a imoralidade dos
políticos. Todos nós falamos uns com os outros como se fossemos velhos amigos.
Enquanto o ferido convalescia no hospital, todos nós, em horários diferentes,
fomos visitá-lo e prestar nossa solidariedade. Agora sabíamos o nome de cada um
de nossos vizinhos e por alguns dias fomos uma verdadeira comunidade. Um
convidava o outro para visitá-lo e tomar um café, enquanto o morador da casa de
muros altos se oferecia para ajudar a
família da vítima se precisasse.
Com os passar dos dias e com o retorno do vizinho do
hospital a vida foi lentamente voltando a rotina e todos paramos de nos falar
uns com os outros. Alguns meses depois vivíamos como dantes, próximos e
isolados. Voltamos a ser uma cidade sem comunidade.