sexta-feira, fevereiro 16, 2007

NA TRILHA DA MATA

Por: Abel Aquino
Vou caminhando pela trilha estreita da floresta. Não preciso ter pressa. Vejo pedras de um lado e do outro, algumas apontam suas quinas para dentro da trilha e nossas pernas passam por elas com cuidado. Não há ruido estranho nessa hora. O sol está no ponto mais alto do céu e as folhas das árvores repicam a luz e deixam chegar ao solo somente pedaços disformes de claridade. As folhas mortas estão cobrindo o solo e eu forço a ponta da bota no solo para levantar essa folhas e ver a cor da terra.
Escolho um tronco caído para sentar e fico olhando a minha volta. Observo o movimento das folhas mais altas sobre a pressão do vento. Um pássaro voa de um galho para outro. Neste momento não consigo pensar, lembrar de vozes, de gritos de gente. Estou usufruindo do aroma das ervas e dos gorjeios da natureza.
Meu avô gostava de contar para as crianças as coisas da mata, dos encontros de bichos e homens e a gente ouvia embevecida. Ele sentava ao lado do fogão de lenha, olhava para nossas caras de meninos curiosos, levantava o dedo e falava de fatos e aventuras quase fantásticos. A floresta tornou-se, em nossa imaginação, o reino das histórias quase homéricas, recheadas de casos, sustos e medo.
Mas hoje não tenho medo, não sinto aquela ânsia de imaginar os perigos e imprevistos que podem acompanhar um homem caminhando pelas trilhas da mata.
Tento imaginar como seria a vida de nossos ancestrais, habitando cavernas, desconhecendo ruas, avenidas, carros, arranha-céus, aviões, poluição e vida estressante. Viam apenas matas, ruídos de animais, cantos de pássaros, trilhas, cachoeiras, vales verdes e montanhas pedregosas. Nós ganhamos outro mundo, talvez menos precário, mais confortável, com infinitas possibilidades de lazer e conhecimento, mas a que preço?
Estamos perdendo aquele mundo que povoava nosso solitário ancestral? Há incompatibilidade de mundos? A cidade expõe o quanto o ser humano conseguiu recriar a natureza, adaptá-la às suas necessidades, moldá-la, construir cavernas coletivas, meios de se mover rapidamente por terra água ou por ar, controlar o ambiente, iluminar a noite e comunicar-se rápida e facilmente uns com os outros. Mas, enquanto o ser humano concentra-se em transformar a natureza em coisas mais úteis e práticas, sua mente, seus instintos também foram recriados? As fantásticas leis da aerodinâmica possuem seu equivalente nas leis da razão humana?
Daqui posso ver árvores mortas, raízes expostas, sem contudo abalar a presença da vida, uma diversidade quase impossível de quantificar. Esse região está admiravelmente preservada, tem poucas fazendas de gado, raras estradas de terra e só algumas habitações no fundo dos vales. O povo desse região não é do tipo empreendedor, cultivam terra só para subsistência e próximo à casa. É um povo meio índio. Contudo gosta de caçar e pescar. Agora mesmo ouço tiros de espingarda ao longe. Imagino o caçador, um típico matuto, abatendo a última cerva, quem sabe prenhe. Quem sabe a última representante e sobrevivente de sua espécie. Mas, infelizmente, o caçador não tem essa consciência. Se não ver mais caça, aposenta sua espingarda sem especulação, sem preocupar com a diversidade biológica, com a preservação de animais e plantas. Essa preocupação está presente mais comumente nos indivíduos da cidade. Esses mesmos que vivem na monotonia dos edifícios, das ruas asfaltadas, das praças mal conservadas e, talvez por isso, mais deslumbrados com a natureza.