segunda-feira, setembro 28, 2009

SOBRE ESMOLAS E DESTINO

Abel Aquino

Uma mulher pedia esmola na esquina, sentada num caixote de madeira e o braço estendido, com um prato metálico na mão. Falava alguma coisa ininteligível e olhava para todo transeunte que se aproximava. Duas crianças brincavam ao seu lado, indiferentes ao que a mãe fazia. A menina usava um vestido amarelo, sujo e amarrotado. O menino, de calça curta, vestia uma camiseta cinza, rasgada.
Parei na porta da loja e fiquei observando o comportamento da mulher. Ela agitava a vasilha e as poucas moedas que tinha, tilintavam. O barulho chamava a atenção das pessoas que passavam por perto. Um senhor bem vestido, mas sem aparência de abonado, aproximou-se de mim e puxou conversa.
Você acha certo dar esmola para uma pessoa assim?
Depende, respondi.
O que precisa mesmo é alguém pegar ela e os filhos e levar pra trabalhar.
E se ela não gostar da idéia?
Então, que morra de fome.
E se ela conseguir mais esmola que se trabalhasse?
Isso é que é errado. Dar esmola não é solução pra nada. É incentivo a vagabundagem. O certo é ter um jeito de tirar ela dessa vida que leva.
Mas quem vai poder fazer isso?
Pode ser o governo.... a gente não paga imposto pra isso?.... pro governo cuidar dos pobres?
Mas os políticos pensam nisso? Perguntei sorrindo, meio zombeteiro.
Ai que ´tá, respondeu o estranho. – quem vai obrigar o governo a fazer isso!?
A gente dá esmola para parecer que já fez a sua parte, falei provocativamente.
Eu não dou e não sinto remorso disso, declarou convicto.
Não tem dó das crianças?
Essas crianças estão aí pra fazer a gente sentir dó, mesmo. Eu não caio nessa!
Acredito que a intenção dela é essa mesma, mas, não é normal ver pessoas pedindo esmola numa esquina.
Normal não é, e não é culpa minha, deu de ombro.
Nem minha. Mas, não existe uma forma de evitar que um certo número de pessoas permaneça tão pobre que precise pedir esmola?
Existir, existe; bastava acabar com a preguiça dessa gente.
Você acha que isso é resultado da preguiça?
Em parte é. Eu nasci pelado, sem dente, não sabia andar nem falar, não recebi herança, não fui ajudando por meu pai e não reclamo da vida nem preciso dos outros pra viver. Não sou rico, mas fiz meu pé de meia, trabalhando duro.
Essa é a história de muita gente, respondi enquanto estudava a aparência do homem.
Pobreza é castigo de Deus.
Como assim?
Deus dá as mãos e as pernas, a inteligência e o mundo pra gente se virar. Quem não é aleijado não tem desculpa de viver na miséria.
Lá isso é verdade.
Tem mais: quem tem coragem não passa necessidade.
Também concordo.
O homem estava se empolgando. Falava mais alto e gesticulava, olhando para o meio da rua como que para impressionar uma platéia imaginária.
O problema da pobreza é que ninguém liga pro pobre, nem a igreja católica, nem a sociedade, nem os ricos, nem os políticos.
É, são marginalizados.
Mais do que isso. - São a sobra, não fazem parte de clubes, de famílias. – Pode ver: todo pobre é meio só no mundo, perdeu contato com a maioria dos familiares.
É triste.
Vamos fazer o que? O desconhecido olhou mais uma vez para a mulher sentada na calçada, agitando a latinha com moedas. – Falo uma coisa: ninguém dá jeito nisso, não. Estava desanimado.
Podemos cobrar dos políticos, da prefeitura. – Não é obrigação deles recolher e alimentar esses mendigos? Perguntei.
Recolhe um, aprece dois, deu de ombro e saiu rua abaixo.
Tchau!
Caminhei na direção oposta, passando em frente da mulher e seus filhos. Uma velhinha parou, abriu sua bolsa, tirou uma moeda e colocou na latinha. A mendiga agradeceu, desejando as bênçãos de Deus.