quinta-feira, dezembro 17, 2009

O COTIDIANO DO POVOADO

O VILAREJO


Gosto de ir ao povoado de vez em quando. Pela estrada posso cruzar com um cavaleiro disposto a parar sob a sombra de uma árvore e prosear um pouco com a gente. Ele se debruça sobre o arreio e acaricia a crina bem aparada do pescoço do animal e vai contando histórias sem se preocupar com o tempo ou com as eras. Dali a gente pode ver a torre da igreja, caiada de branco recentemente, e além dela as colinas de Orizona. Quando atravesso as primeiras casas, vejo crianças e cachorros brincando pela rua, cumprimento as senhoras que passam com trouxas na cabeça e alcanço a primeira venda. Ali os homens se encontram para tomar um gole e limpar a garganta impregnada de poeira da estrada.
Hoje de manhã fui até a venda comprar querosene e encontrei o Juvêncio que me convidou para ir com ele cortar lenha. O Doutor Joaquim, empresário carvoeiro, o havia contratado para picar 100 metros cúbicos de madeira na fazenda Malacava, no vale do Tinhorão, e precisa de ajudante. Os lenhadores daqui trabalham para as carvoarias, principalmente. Madeira talhada também é vendida para compradores da cidade.
Ainda ontem estive no cerrado cortando lenha para abastecer nosso fogão e pensei comigo o quanto era agradável usar o machado, fazer calos nas mão enquanto a madeira gemia e tombava aos golpes cortantes. O cheiro caracteristico de cada árvore invadia minhas narinas e eu tentava adivinhar o nome e as qualidades de cada uma. Um velho vinhático já morto e bastante seco desafiava minha habilidade em picá-lo, embora não fosse uma madeira tão dura.

A LENHA

Descemos de carroça pela estrada mal feita do cerrado, contornando as pedras e troncos de árvores. Lá em embaixo podia ver o telhado de uma grande casa cercada de mangueiras e currais. Passamos por uma porteira de arame e começamos a ver montes de madeira amontoados na beira da estrada. Paramos junto ao rancho de palha usado pelos lenhadores para acamparem. Não tinha portas e toda a frente era aberta. No canto direito havia um fogão improvisado de pedra e barro; do outro lado, um giráu de paus roliços, que servia de mesa ou prateleira. Por todos os lados havia árvores tombadas e já secas, centenas delas. Perguntei ao Juvêncio quem tinha derrubado as árvores; respondeu que os empregados da fazendo vinham dois ou três meses antes e derrubavam as árvores e só depois é que a gente podia vir e picar os troncos em pedaços de um metro, partir os mais grossos em quatro partes, e deixá-los prontos para serem levados pelos caminhões. Fui até o tronco mais próximo que estava caído sobre outro já velho e apodrecido. Comecei a cortar pela parte mais fina. A árvore tinha, na base, uns cinquenta centímetros de diâmetro. O machado penetrava na madeira e tirava lascas cheirosas, enquanto o som corria pelo campo e ecoava no vale. Juvêncio era muito mais hábil que eu e, no fim da tarde, havia cortado mais que o dobro de lenha.
No início da noite, voltamos para o povoado, cansados e famintos. Deixei Juvêncio na venda do Osório e segui para casa. Meus braços e as palmas das mãos estavam doloridos. Desejava apenas tomar banho, comer e descansar.