sábado, dezembro 21, 2013

CULTURA E LAZER, LITERALMENTE




Abel Aquino

Na chácara, passamos um mês comendo tomate, do pequeno, cujo pé havia nascido por acaso. Deixei que crescesse. Quando ficou da altura do meu peito, estava caído para os lados. Então cortei três varas, fiz uma escora e a  armei sobre o tomateiro. Amarrei seus delicados troncos nessas madeiras. Em pouco tempo, ficou carregado de tomatinhos. Eles eram comidos em forma de salada. Eu os cortava em duas partes, colocava numa bandeja, acrescentava azeite, shoyo, cebola fatiada e limão. Era um prato especial.
Aproveito a deixa para dizer que, embora nosso terreno seja diminuto, apenas 1.550m2, sendo que 400m2 é ocupado pela construção da casa, mesmo assim plantamos e colhemos uma enorme variedade de legumes. Temos, então,  todo ano,  abóboras, pimentas, cebolinhas verdes, pimentões, jilós e até bananas.  
Fico admirado como a natureza é pródiga e só uma pessoa muito sem ânimo ou descuidada é capaz de passar fome sobre seu pedaço de terra. Conheci, em Goiás, gente passando necessidades mesmo vivendo em vários hectares de terra. Suas moradias estavam cercadas de mato e a lavoura definhava sob as chamadas ervas daninhas. Criavam galinhas e porcos, muitas vezes soltos pelo terreno. As galinhas circulavam por dentro das suas residências, defecando na sala e na cozinha, deixando no ar um cheiro de enxofre desagradável.  Conheci um sitiante que construíra os ninhos de suas aves na sala. Perguntei do porque deixava as galinhas chocarem seus ovos na sala: disse-me, com simplicidade, que era para os bichos não as comerem. No interior da residência a ninhada estava protegida. Era muito raro ver hortas. Quando muito, formavam pequenos canteiros de cebolinhas e pés de plantas aromáticas ou medicinais.
Acredito que esses comportamentos parecem ser uma espécie de regressão à vida mais primitiva. São “brancos” que perderam os costumes mais urbanizados e contemporâneos. De qualquer forma, isso revela o quanto é frágil a evolução cultural do ser humano. Qualquer descuido e volta ele à época das cavernas, pelos menos em termos de costumes. 
Mas, voltando a falar da nossa diminuta chácara, não posso esquecer que interagíamos com a natureza.Usávamos nossas temporárias estadias como momentos de relaxamento e reflexões. Quando tive que regularizar o terreno, fui obrigado a derrubar uma meia dúzia de arvores, ato pelo qual fui multado pela Polícia Florestal. De qualquer forma, a casa ficou ilhada no meio da mata, com frondosas árvores cercando os quatros lados do terreiro.
Com essa proximidade, somos, com freqüência, visitados por bugios, macacos pregos, e até sagüis barulhentos. Nossos mais assíduos vizinhos são as sabiás, as corruíras, os bem-te-vis e os Joãos-de-barro. Vários outros pássaros freqüentam nossa redondeza,  mas ainda não foram identificados. As  beija flores fazem ninhos na lateral do telhado e os tucanos comem coquinhos do Jerivá carregado, grasnando de forma desagradável.

Os fins de semanas que passamos nessa chácara são a melhor forma de recarregar as baterias e dar descanso ao corpo, depois de uma semana agitada na maior cidade da América do sul. Sem contar que, nesses dias podemos comer melhor, elaborando nosso próprio e variado cardápio, gozando de forma saudável dos prazeres de alimentar-se bem, dormir até mais tarde e de relaxar a vida, ouvindo o canto dos pássaros e o barulho do vento nas folhas das árvores.

terça-feira, agosto 06, 2013

CÍRCULOS CIRCULARES


Curvo o tempo como dobro folhas,
Salto o vazio como salto trampolim
E corto as amarras enquanto vivo,
Pisando preceitos enquanto fujo.

Do outro lado há muitos espelhos
E desde, ficam todas as formas e sombras.
Por mais que eu reforme e modifique,
Tudo precisa ser ainda refeito.

Alguns acreditam na sorte furtiva,
Outros, nos rudes calos da mão.
Aqueles esperam o giro da roda
E estes, os frutos quase maduros.

Por fim me dobro exausto e frio.
O peso do atrito dos gonzos
Vai esmagando meu peito anêmico

Entanto sei que é apenas o recomeço.

quarta-feira, julho 24, 2013

UM CORPO NO RIO

Todo mundo tinha medo da correnteza naquele ponto do rio. As margens ficavam estreitas e as pedras negras e sempre molhadas da margem empurravam a água turva para o meio, onde rodopiava, encrespada, e descia velozmente por mais de cem braças até encontrar o remanço.
Marcilio parou sua montaria junto ao barranco e ficou, por alguns minutos, observando a corredeira. De vez em quando os raios do sol da manhã brilhavam na barriga prateada de peixes que desciam saltitando por entre as pedras.
De repente viu o corpo de uma pessoa rodando pela correnteza, de bruço, com a roupa rasgada, os braços abertos e balouçando nos movimentos da água. Por um momento Marcilio acompanhou o corpo, fustigando o cavalo e percorrendo a margem do rio, mas logo adiante o mato impedia a passagem e teve que afastar. Contornou o mato e, metros à frente, voltou a se aproximar da margem. Perscrutou a água mais não viu mais o corpo.
Resolveu voltar para casa. Depois de espalhar a noticia, os vizinhos curiosos desceram correndo em direção do rio para ajudar Marcilio a procurar o corpo. Ficaram a tarde toda percorrendo as margens acidentadas, mas não encontraram nada. Marcilio ia a frente com o facão na mão, abrindo caminho no capim alto do brejo.
Depois de duas horas de procura começaram a duvidar da história.
Marcilio, você deve Ter visto coisa demais, disse Fúlvio duvidando.
Não sou maluco, sô, respondeu Marcilio. – Vi muito bem; era um defunto boiando na água, sim!
Mas então deveria estar parada nesse remanço agumentou Crispim.
Era um defunto,sim, repetiu Marcilio já impaciente.
Eu não vou procurar mais não, concluiu Fúlvio. – Daqui um pouco escurece e a gente não pode ficar aqui para ser picado por cobra nesse matagal besta.
A gente pode não achar o corpo, justificou Marcilio. – mas que eu vi, eu vi.
Voltaram para suas casas, conversando, uns achando que o rapaz estava maluco, outros dizendo que poderia até ser verdade, mas faltava o corpo para tirar toda dúvida. Marcilio ficou alguns passos para trás, resmungando. Sabia que aquilo iria virar motivo de chacota mas estava confuso. Olhou para trás ouviu o barrulho da correnteza e pensou: será que eu me enganei?

sexta-feira, fevereiro 01, 2013

LONGE DA LUZ



Há momentos em que vejo o avesso,
As coisas de cabeça para baixo,
Os seres humanos sem suas carapaças e
as sabiás fora das gaiolas.

Alguém me avisa que o tempo passou,
que as chuvas seguiram para o norte e,
enquanto olho pegadas na lama,
o sol sobe pela montanha molhada.

O mundo mudou ou foi o rio que fluiu?
A tarde caminha com as nuvens,
mesmo quando não tenho pressa
e meu trabalho dobra a última folha.

Mas vejo o outro lado da parede.
sabe, quando querem ocultar,
quando lançam palavras suaves
Desviam nosso olhar do óbvio?

Sinto que fui outra vez ludibriado
assim como quem percebe tarde
que existe o subterrâneo oculto
e outro mundo respira sem luz.





quarta-feira, janeiro 02, 2013

Engaiolado junto aos Pássaros

Costumo dizer que adoro ouvir o canto dos pássaros, mas, diferentemente daquelas pessoas que engaiolam essas aves canoras em volta da casa, eu construí minha gaiola no meio deles e, assim, cercado de mata, posso sentar no banco da minha varanda e ouvi-los gorjear pelo terreiro, no alto das árvores ou pousados nas rochas cobertas de liquens. Os bugios costumam vir até às árvores frutíferas que tenho junto ao muro e comem os frutos da nespereira despreocupadamente. Quando aproximam, o macho maior fica no alto do galho mais elevado, observando, enquanto o restante do bando desce aos galhos carregados de bagos amarelos. Depois que constata que somos amigos e não demonstramos intenções agressivas, ele sai de seu posto de guarda e vai comer com os outros. Além dos bugios recebo as visitas de sagüis e macacos- prego. Eles usam as árvores como estradas e todos passam pelos mesmos galhos e saltam de um trono a outro no ponto mais fácil e aparentemente já conhecido, pois raramente mudam de rota. Os bugios são mais barulhentos, embora os sagüis pratiquem uma linguagem estranha de chiados que lembram assobios agudos. Percebo, de vez em quando, a presença de um lagarto, um teiú enorme; deve ter um metro de comprimento e quando aproximo saí em correria, quebrando galhos secos e pulando por sobre pedras e troncos com agilidade. Temos o costume de misturar o lixo orgânico com terra fazendo um monte de futuro adubo para as plantas e para a horta, uma compostagem. A noite tínhamos a visita de um gambá que aparecia para revirar o monte a procura de restos de comida. Ele caminhava pelo muro e descia pelo galho da pitangueira. Outro dia encontrei-o morto junto a cerca. Examinei seu corpo, mas não vi marcas de ferimento ou outro indicativo da causa da morte. Seu pêlo estava vívido e denso, indicado que gozava de boa saúde. De qualquer forma não descobri a causa de sua morte. Enterrei-o perto do pé de juçara. Num domingo chuvoso vimos uma preguiça tentando atravessar a estrada. Alguns carros pararam e os motoristas saíram para tentar retirá-la do meio do caminho. Fui até lá e pedi para que deixassem eu levá-la para a mata no fundo da minha casa. Dalí o bicho foi lentamente subindo na árvore e, em pouco tempo desapareceu na mata. Tive a impressão de que, embora movimente-se lentamente, é capaz de ir de galho em galho o mais rápido do que se imagina.