terça-feira, fevereiro 19, 2008

Vigília

Sobre o monte de palhas,
O cachorro dorme enrodilhado.
O menino cata sabugos,
Conversa sozinho e
Faz pipi entre os pés de mandioca.
Dentro da casa as mulheres
Choram o morto à luz de velas.

Apocalipse

O homem e sua espécie de barro,
a sombra sem forma
de nossas gastas escrituras
e a tenaz que não falha.
Mas somos tolos,
com sonhos de travesseiro.
Foi numa manhã:
fizemos montes de areia,
muros, abrigos, marca de dedos.
O gado passou
e o vaqueiro sorriu!
Ficamos olhando nossa cidade
esmigalhada pelas patas pesadas,
as orelhas balançando,
os chifres reluzindo ao sol;
e rimos de nosso mundo desfeito.

Lama Vermelha

Depois da chuva a moça saiu pela estrada. Tirou os sapatos, segurou-os na mão esquerda e, com a direita, levantou as pontas da saia e foi pulando por entre as poças. Os amassa-barros gorjeavam ao lado de suas casinhas no galho das árvores. O caminho era estreito e as folhas das árvores forravam as bordas, ocultando a lama. A moça tinha pressa, quase corria. Seus cabelos esvoaçavam e a gola de sua blusa amarela agitava-se com o vento. Quando chegou à estrada principal, olhou para o norte. Lá distante apontava um carro vermelho. Colocou os sapatos rapidamente. O ronco do motor chegava baixinho, mas foi aumentando. Já podia ver os detalhes do carro; o para-brisa enlameado, o retrovisor dobrado numa posição estranha. Ele se aproximava chapinhando o barro vermelho e as poças dágua abriam-se em ondas raivosas. Quando o carro parou ao seu lado, a moça dobrou-se na ponta dos pés, esticou a cabeça, e recebeu um gostoso beijo do motorista. Pegou sua mão e por um instante olhou dentro de seus olhos. Ele sorria levemente. Ficou parado por alguns minutos - trocaram palavras em voz baixa - depois ele disse tchau e seguiu em frente. A moça permaneceu imóvel por um tempo, feliz, abanando a mão. Retirou novamente os sapatos, segurou-os na mão esquerda e com a direita levantou as pontas da saia e foi pulando por entre as poças, de volta para casa, agora sem pressa, saboreando o gosto do beijo que ficou em seus lábios.

Panambi

Fomos almoçar no restaurante vegetariano. Alí a gente pode saborear uma variedade enorme de comida. Gosto de começar pela sopa de ervilha, depois como saladas e finalmente passo para os pratos quentes: torta de legumes, quibes, bolinhos e macarrão. Não posso deixar de falar do pãozinho que acompanha a sopa e é uma delícia.
Depois fomos andar um pouco no parque do Panambi, batizado de Burle Marx. Ali foram construidas três trilhas pela mata; uma com mais de um quilomentro, outra menor e a última de pouco mais de trezentos metros. As trilhas percorrem - desde um pequeno lago e subindo - as partes mais densas da mata e a gente caminha sob a sombra, contornando raizes e troncos de coqueiros. O ar está impregnado do cheiro das folhas e do humus. Há uma árvore caída e eu resolvemos caminhar por ela como se fosse por uma pinguela. Andamos por todas as três trilhas e percorremos até os atalhos.
Depois fomos para a área de gramado, onde as pessoas - muitos casais com seus filhos - descançam e deixam o tempo passar. As crianças percorrem as alamedas com suas pequenas bicicletas e velocípedes, enquanto os casais de namorados conversam abraçados e olham as placas que indicam os nomes das diferentes árvores.
É inicio de inverno e o tempo está um pouco frio. O sol não chega a aquecer as nossas costas. Resolvemos sentar numa mureta de pedra com os pés suspensos no ar e podendo ver toda a parte baixa do parque, desde a entrada do estacionamente, onde cresce uma enorme touceira de bambu, até a outra extremidade, com enormes jaboticabeiras que fazem sombra sobre as ruinas de uma casa antiga, com paredes de adobe, um tipo de tijolo cru, comum na era colonial.
Depois de mais ou menos uma hora alí sentados, namorando e relaxando o corpo e a alma, resolvemos ir embora. O dia estava terminando.
Um dos maiores problemas dos parques de São Paulo é a superlotação e com ela o acúmula de lixo e a presença de gente de todo tipo. Isso trás intranquilidade. Não sabemos quem está ali para relaxar, quem está para passear ou quem está para roubar. O parque do Ibirapuera é um exemplo disso. Uma cidade grande tem essa característica de você ser obrigado a conviver com desconhecidos, com gente de todas as partes do país. É preciso adotar certa atitude que não teria em cidades pequenas. Nossas áreas públicas são públicas demais, ou seja assustam as pessoas pela possibilidade de ser surpreendidas por acidentes desagradáveis. É triste isso. Mas acredito que seja inevitável em se tratando de uma imensa metrópole. As pessoas não trazem na testa escrito o que são e nós tentamos adivinhar se aquele sujeito encostado naquela árvore é apenas um cidadão descançando ou um perigoso assaltante. A maioria adota a postura de desconfiar de todo mundo e é uma pena. Por isso é muito difícil iniciar uma conversa com desconhecido; todos desconfiam de todos. As vezes criamos esteriótipos de que gente mal vestido, mal encarado, é suspeita. Mas isso só isola as pessoas umas das outras. Numa grande cidade todo mundo constróe muro, não só em volta de casa, mas em volta de si mesmo.