terça-feira, março 10, 2009

A DOR E A TEMPESTADE



Abel Aquino

Agachei na beira do rio e fiquei olhando o movimento das águas. O enorme galho de uma árvore caída na margem riscava a superfície, enquanto um martim pescador trocava de lugar sobre o lajedo do lado oposto.
Fiquei angustiado com o pressentimento de que haveria grandes mudanças no tempo. Nuvens escuras surgiam lentamente no horizonte. Precisava ficar forte e não me deixar tomar pela emoção. Procurá-la seria um risco que não tinha intenção de correr. Com certeza, era um rompimento definitivo.
Teria que procurar outros ares, ver outros sorrisos, sentir outros perfumes. Mas quem teria aquele jeito de afastar os cabelos do rosto e de pender levemente a cabeça?
Seus olhos, nesses momentos, me encaravam com coragem e eu estremecia. Sua voz era cheia de calor e sensualidade natural. Mas eu sentia que seu coração não batia tanto por mim. Era uma relação precária.
Deitei sobre a pedra da margem do rio. O vento soprava e as folhas das árvores mais altas despregavam e caiam sobre as águas. Flutuavam como barcos e desciam numa corrida, seguindo a correnteza, umas tocando nas outras, rodopiando e balançando. Vi a libélula pousar na superfície do rio e imediatamente um peixe saltou fora dágua e a levou para o fundo. Seu dorso cinza brilhou por um instante aos raios do sol que passavam pela folhagem das pindaíbas.
As nuvens ficavam cada vez mais pesadas e escuras. O vento aumentava.
Levantei e segui pela trilha em direção da estrada. Um carro passava naquele momento e a poeira vermelha levantou-se em redemoinhos e afastou por cima das árvores. Caminhei pela estrada sem pressa.
Gostaria de tomar aquela chuva que avizinhava, de ouvir relâmpagos explodindo na serra e ver raios cortando as nuvens com fúria. Queria ver o vento arrancando árvores, quebrando galhos e lançando folhas em todas as direções. A chuva poderia cair como cachoeira, inundar o vale, arrancar tocos pela raiz, encher o rio e passar por cima da ponte. Desejei estar no meio da tempestade mais violenta que jamais vira, ser jogado ao chão e enlamear minha roupa, ficar surdo com os trovões sobre minha cabeça.
Quando senti os primeiros e grossos pingos da chuva, imaginei lavando minha alma, esfriando a cabeça, a água escorrendo pelas costas. Ficaria aliviado da angustia da perda, da dor do abandono.