Nietzsche percebeu bem que o cristianismo nasceu entre o populacho. Esse movimento fez o povo comum, sem poder e vítima de todo tipo de arbítrio, sentir-se além desse mundo, pertencente a outro reino, governado por um rei mais poderoso do que todos os reis da terra. Ao sentir-se como membro de um mundo do além, manifestava profundo desprezo pelo mundo real da política, das guerras, das contendas e brutalidades. Isso causava furor nos governantes da época; daí a perseguição implacável que aplicavam. Mas o movimento prosperou. As perseguições e execuções eram encaradas como confirmação de que pertenciam a outro mundo, de que outro reino, agora de paz e justiça, o aguardava de braços abertos.
Só que a
prosperidade do cristianismo gerava, como sob-produto, seu enfraquecimento.
Logo formou uma elite acima da massa de crentes fieis e dedicados. Essa elite
tomou para si a obrigação de zelar pelos princípios de seu evangelho e todo
desvio de interpretação e prática religiosa era encarado como ofensa à suas
crenças ou contestação aos dirigentes. Começou, então, a perseguição interna ao
movimento.
Na busca de
poder para impor unidade ao incipiente cristianismo, sua elite começou a sentir
que precisava ter poder, e procurar o imperador romano foi uma conseqüência
dessa necessidade.
Portanto, a
passagem de igreja perseguida para igreja perseguidora de hereges foi motivada
por uma necessidade que os dirigentes sentiam de impor uma unidade de crença ao
movimento.
Se
compararmos o cristianismo primitivo, e essa mutação criada pelo conluio com o
poder terreno, representado pelo decreto do imperador Constantino, e incluir o
movimento da reforma protestante, vemos que este último não tinha um império
monopolista a que se agarrar e para manter a unidade de sua dissidência. Daí
que os protestantes de dividiram em muitas seitas e sub-seitas.