quarta-feira, novembro 25, 2009

AS DESPREOCUPAÇÕES DO DOMINGO

Abel Aquino


Naquela manhã Juvenal acordou com vontade de se vestir bem e passar o dia limpo, perfumado e feliz. Ele não era de tomar banho toda semana, muito menos todo dia. Banho era para ocasiões especiais, tais como casamentos, festas religiosas ou reuniões políticas. Eram acontecimentos raros e espaçados.Mas naquela manhã, um domingo como qualquer outro - quando as pessoas se arrumam e vão à missa das sete e depois visitam os parentes e amigos para por a conversa em dia - Juvenal queria tomar um belo banho e vestir o melhor par de roupas que tinha. Saiu do quarto disposto e cheio de energia. Na cozinha, encontrou sua mãe acendendo o fogo para preparar o café da manhã.
Embora ninguém fosse trabalhar, havia serviços que tem que ser feitos todos os dias. Reunir o gado no curral e tirar o leite era um deles. Juvenal lavou o rosto na bica, pegou as cordas, o balde e foi em direção do curral. Depois de tirar o leite, colocou a maior parte dele para coalhar e foi tomar seu banho. Pegou água da bica com um enorme balde metálico e seguiu em direção do banheiro. Fechou a porta tirou a roupa e, com uma caneca, pegou água do balde e jogou na cabeça. A primeira água parecia gelada demais e Juvenal deu um grito. Depois acostumou com a água, ensaboou o os membros e o tronco, jogou mais água sobre a cabeça até remover todo o sabão, pegou a toalha e secou o corpo.
Depois enrolou a toalha na cintura, abriu a porta do banheiro e foi em direção da casa para por a roupa nova.
Sentiu o cheiro de café que sua velha mãe preparava. Segui para a cozinha penteando o cabelo, pegou uma xícara e estendeu para sua mãe. Esta pegou o bule e entornou café na xícara que Juvenal segurava.
- ´Stá cheiroso, hoje, filho! Vai comigo à missa?
- Não mãe, deteste ouvir o padre rezar, mas quero passar o dia limpo e perfumado.
- Vai visitar alguém?
- Não.
- ´Ocê precisa arrumar uma namorada, filho.
- Não tenho pressa mãe.
- Eu não vou viver por muito tempo, logo vou acompanhar seu pai.
- Há! Mãe! Não fala bobagem!
- Mas essa é a vida, filho.
- Não se preocupe, mãe, vou me casar assim que achar uma mulher do meu agrado.
- É bom, filho, concluiu a mãe, saindo para o quarto.
Juvenal pegou um pedaço de fumo e foi para fora em direção do paiol. Abriu a pesada porta do paiol e pegou uma espiga de milho seca, destacou uma meia dúzia de palhas e foi sentar na varanda da casa. Calmamente, recortou a palha, dobrou e colocou debaixo da perna. Pegou o fumo e com o canivete foi destacando rodelas finas, esmagando-as na palma da mão. Depois de cortar um punhado de fumo, soltou o canivete, pegou uma palha, abriu-a com a boca, fez uma meia cana e colocou o fumo. Enrolou lentamente. No final passou a língua sobre a borda da palha e fechou o cigarro. Levou o cigarro à boca , pegou a binga de cobre, puxou a tampa, deslizou o dedo sobre o mecanismo de faísca e apertou. Acendeu o cigarro e se encostou na parede, olhando, pensativo, para o horizonte, alem da cerca, por cima das árvores do sopé da montanha. Sua mãe saiu pela porta da frente, arrumada e com uma sombrinha colorida. Juvenal sabia que ela ia para a igreja assistir a missa. Olhou indiferente e vago. Ela disse qualquer coisa como se sair não esqueça de fechar a casa e foi andando em seus passos miúdos.
A estrada era longa e reta, ladeada de capim e marcada pelas rodas dos carros de boi e das carroças. Ficou olhando sua mãe afastar lentamente, Alcançar a porteira, abrindo-a com esforço, e desaparecer na curva do caminho.
Juvenal ficou imaginando vê-la chegar ao povoado - mais de quilômetro dali - encontrar os parentes e amigos, o velho Ribaldo, a senhora Clementina e seu cadela magra, o farmacêutico Ernesto e seu enorme relógio de bolso, preso ao cinto por uma bela corrente de prata. Antes de entrar na igreja falariam das mesmas coisas, comentariam os mesmos acontecimentos e discutiríam o grau de honestidade de cada habitante das redondezas.
Juvenal estava feliz por não ir à missa. A solidão era melhor. Nada substituía a sensação de alargamento, de céu aberto e de sossego num domingo sem ir à roça, com pouca coisa para fazer. Não trocaria isso pelo passeio à vila, à igreja com cheiro de vela queimada e repleta de gente vazia e vulgar. Tragou a fumaça do cigarro de palha, prendeu a respiração por alguns segundos e soltou o ar devagar, fazendo uma pequena nuvem a sua frente. O sol brilhava sobre o pasto ondulado e o gado descansava à sombra das árvores. Suspirou em paz e sorriu consigo mesmo.