quarta-feira, fevereiro 18, 2015

VIZINHOS E ESTRANHOS


Eu morava na cidade, cercado de vizinhos com suas casas de muros altos e portões automáticos. O morador da casa ao lado saia cedo. Ouvia apenas o barulho do motor de seu automóvel e o latido do cão de guarda. O vizinho da frente saia toda manhã para caminhar e voltava meia hora depois, me desejava bom dia quando me via saindo, fechava o portão de grade e sumia no interior da casa. Num raio de uma centena de metros havia quase vinte casas bem construídas; a maioria assobradada e ampla. Apesar dessa proximidade, ninguém conhecia ninguém por nome. Cumprimentavam-se quando ocasionalmente cruzassem pela calçada ou quando um deles saia da garagem com seu carro e o outro do outro lado também manobrava o veículo para ir ao trabalho.
Vivíamos numa grande cidade mas não éramos uma comunidade. Ninguém saia de casa ao anoitecer para visitar o outro e prosear por algumas horas. Cada um cercava seu mundo com muros altos assim como levantavam paredes reforçadas em volta de suas habitações.
Certo dia, abri a janela e vi o vizinho da frente, aquele que gostava de fazer caminhadas nas primeiras horas da manhã. Estava abrindo seu portão, quando dois sujeitos estranhos se aproximaram. Um deles apontou uma arma para o homem e pediu a chave do carro. Os dois elementos pularam dentro do veículo e manobraram rapidamente para fora. O vizinho olhava paralisado. Antes de acelerar em disparada o assaltando passageiro esticou o braço com o revolver e atirou. O vizinho dobrou o corpo e caiu no chão. Corri ao telefone e disquei para a policia e para o pronto-socorro. Depois desci correndo e sai na rua. Já havia uma meia dúzia de pessoas, inclusive a esposa do vizinho que chorava agachada segurando a cabeça o homem, enquanto ele gemia com a mão no peito. Quando o pronto socorro chegou, a vizinhança estava toda na rua, em volta do ferido. Vi o vizinho do lado direito, o vizinho do lado esquerdo e os vizinhos do outro lado da rua. Estavam ali mais de vinte pessoas, todos preocupados, angustiados e inquietos.
Logo estávamos todos conversando e criticando a falta de segurança, a impunidade, a ineficiência da justiça e a imoralidade dos políticos. Todos nós falamos uns com os outros como se fossemos velhos amigos.
Enquanto o ferido convalescia no  hospital, todos nós, em horários diferentes, fomos visitá-lo e prestar nossa solidariedade. Agora sabíamos o nome de cada um de nossos vizinhos e por alguns dias fomos uma verdadeira comunidade. Um convidava o outro para visitá-lo e tomar um café, enquanto o morador da casa de muros altos  se oferecia para ajudar a família da vítima se precisasse.

Com os passar dos dias e com o retorno do vizinho do hospital a vida foi lentamente voltando a rotina e todos paramos de nos falar uns com os outros. Alguns meses depois vivíamos como dantes, próximos e isolados. Voltamos a ser uma cidade sem comunidade.

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