quinta-feira, dezembro 21, 2006

ACONTECEU EM UBATÃ

Por: Abel Aquino

DIA DE CASAMENTO

Era dia de casamento no povoado. Felizvaldo, o noivo, levantou cedo, tirou leite das vacas, deu comida para os porcos e as galinhas, arreiou o cavalo e foi vestir roupas novas. No fogão de lenha fumegante ainda permanecia o bule com café. Pegou uma xícara e colocou um pouco de café e tomou de um gole. O gato Remo estava enrodilhado no rabo do fogão, dormindo. Com o barulho do bule batendo na trempe abriu parcialmente os olhos e Felizvaldo passou a mão rápidamente sobre sua cabeça peluda. A luz do sol penetrava pela janela e uma fina nuvem de pó e fumaça pairava no ar. Enquanto vestiu sua roupa domingueira, pensava que talvez os rapazes tivessem razão: uma mulher podia facilitar muito a sua vida, principalmente na hora de lavar e passar a roupa; odiava lavar e passar roupas. Mas uma mulher não era coisa simples de se arrumar, qualquer uma talvez não fosse difícil, mas mulher trabalhadeira e de bom gênio já era quase impossível encontrar.
Olhou pela porta e viu a luz do sol lambendo forte as folhas verdes do capim e fazendo o mato ondular em chispas e brilhos.
Colocou a espora com jeito e sem esquecer do chicote, saiu, encostando a porta. O cavalo arriado ronronou alegre quando viu o dono. Felisvaldo montou deu uma suavel esporeada e o animal saiu trotando.

O PERSONAGEM

Felizvaldo era um solteirão. O povo do pequeno povoado de Ubatã estava sempre querendo arrumar-lhe uma namorada. Ele era tímido, extremamente tímido. Morava num pequeno sítio sozinho, herdado do avô. O pai, ele nunca conheceu. A mãe, era mãe solteira e muito quieta, morreu nova ainda, depois de sofrer de chagas. Certo dia conseguiu uma noiva, Virgínia, a viuva do José Pinho. Felizvaldo estava com 46 anos.
O preparo do casamento foi grande mas na hora o noivo não apareceu. Foram buscá-lo e o encontraram caido à beira da estrada, à sombra de um velho jacarandá. Sua mão ainda segurava a redea do cavalo que pacientemente esperava ao lado do corpo caido. Felizvaldo morrera de ataque do coração, como a mãe.

O ENTERRO

Ubatã era pouco mais que uma rua poeirenta, ladeada por casas de adobe vermelho e cobertas por telha colonial. Naquele domingo não houve missa na pequena igreja, nem os sinos tocaram as seis horas, como fazia sempre. A pracinha estava deserta e apenas o pó rolava ao sabor do vento.
O cortejo vinha pela estrada de terra batida e amarelada. À frente, quatro homens seguravam as alças do caixão, coberto por um pano preto que tocava o chão. Logo atrás seguiam as crianças e as mulheres, mais atrás apareciam os homens, alguns à pé, outros à cavalo. Caminhavam em quase sílêncio, apenas balbuciavam a Ave Maria. Virgínia segurava o terço com as mão tremulas e o véu cobria seu rosto ainda jovem; os olhos vermelhos não vertiam lágrimas embora evidenciassem tristeza e sofrimento.
Ao cruzar as primeiras casas do povoado o cortejo dobrou para a direita, ruma a igreja. O padre estava abrindo as portas. O sacristão correu e puxou as cordas do sino e esse começou a bater lentamente. Os quadro homens subiram com dificuldade os degraus e o ataúde balançou como se fosse cair. Atravessaram a porta, percorreram o corredor ladeado por bancos rusticos de madeira escura e pararam junto ao altar. Outros homens tomaram o lugar dos que haviam trazido até alí o morto. Eleodora trouxe um grande jarro de flores novas e o colocou sobre a manta que descia do altar até o chão. Pediu que alguém buscasse, no fundo, dois tamboretes para apoiar o ataúde e em seguida mandou tirar a tampa. Entre folhas e flores perfumadas via-se o rosto pálido do morto.
Eleodora ainda ajudou o padre a ajeitar o longo hábito de cor beje, passou a fita vermelha sobre seus ombros e foi sentar no primeiro banco, ao lado de Virgínia. Sua mão calejade e forte como mãos de lenhadores leguraram as delicadas mãos da infeliz mulher e seus olhos miudos tentaram reconfortá-la.
O Padre fez o sinal da cruz sobre o ataúde, abaixou a cabeça e começou a rezar, no início com voz baixa, quase inaldível, depois foi aumentando, enquanto repetia o sinal da cruz. Por fim, estendeu as mãos sobre o falecido e clamou:
Pai nosso que estáis nos céus, acolhei este Vosso amado filho,Felisvaldo da Cruz, que agora deixa o convivio dos seus; uma alma pura e singela; sem pecados imperdoáveis aos Vossos olhos; vida dedicada ao bem, ao amor por seu humilde povo, sem jamais ferir alguém com atos ou palavras; que o tenhais enternamente ao Vosso lado, amém!
- Senhor, tenha piedade de nós!
Senhor, tenha piedade de nós! O povo repetiu em coro.
O padre pegou uma cruz de madeira pintada de branco, contornou o caixão e saiu rezando: "Pai nosso que estais nos céus."...
As quatro pessoas, encarregadas de levar o féretro, puxaram com cuidado a tampa, fecharam-no e o levantaram cuidadosamente. Saíram, acompanhando o religioso e foram seguidos pelo povo.
Já na rua, o cortejo seguiu rumo ao cemitério que ficava na colina, ao norte. Passaram ao lado da estação de trem, da serraria e, contornando a chácara do Venâncio, alcançaram o portal de trepaderias que adornavam a entrada.
Virgínia foi a primeira a lançar, sobre o caixão no fundo da cova, o ramalhete de flores que trazia na mão. Depois pegou um punhado de terra e o lançou também. O padre continuava a rezar baixinho, acompanhado pelas mulheres. Virgínia puxou novamente o véu sobre o rosto e afastou-se lentamente. Enquanto o coveiro jogava terra sobre o caixão, o povo foi se retirando. O sol começava a aquecer a terra e as sombras das árvores encolhiam-se por sobre as lápides manchadas de cera de velas. Rapidamente o povoado voltou a sua normalidade.

2 comentários:

Unknown disse...

Poxa pai...
vc escreve também... q não acredito q deixou isso de lado por tanto tempo.
Gostaria de escrever como o Sr.

Como vc é meu pai, não tenho inveja e sim o torno um ídolo. As vezes queria ser mais autodidata e conseguir ler mais... mas a preguiçaaaa - essa me vence!

Te amo muito!!!

Unknown disse...

Opa...tem um errinho de portuga

não é tambem, é sim tão bem... rsrsrs