Viajei para Itahum para conhecer a região. Levei
dinheiro para comer alguma coisa por três dias e guardei o suficiente para pagar
a passagem de volta à Itaporã. Não tinha sobra para ficar num hotel. Perambulei
pela cidadezinha por algumas horas, comi um lanche simples num barzinho
aconchegante e segui para os arredores. A cidade era cercada pelo cerrado, terreno plano, arreia
clara e árvores pequenas e esparsas. Procurei uma parte deserta e calma para passar
a noite. Com o cair da tarde, escolhi um local limpo, arenoso, com árvores
retorcidas e moitas de capim barba-de-bode. Entre os ramos e touceiras
destacava a superfície de areia muito fina, partes amarelo-amarronzado e outras muito brancas. Lembrava um deserto só
que mais vivo, mas verde e cheio de vida. Por um momento observei os pequenos
lagartos correrem de um lado a outro e formigas perscrutarem as cascas das
árvores. Era fim de tarde e um vento fresco começou a substituir o calor
intenso do dia. Sentei-me no chão e abri minha mochila, disposto a escrever
alguma coisa no meu caderno de anotações. Peguei a caneta, mas nada me vinha a
mente. Aliás, uma multidão de coisas agitava minha imaginação, e nenhuma
daquelas imagens associadas a sentimentos de toda sorte, demorava mais que
alguns segundos. A luz diminuía constantemente.
Pensei comigo: vou dormir por aqui mesmo; quero
alimentar-me dessa visão agreste por mais tempo. O terreno era incrivelmente
regular e o horizonte parecia muito próximo. As pequenas árvores afastadas umas
das outras balançavam delicadamente suas folhas ao toque da suave brisa do cair
da tarde. Não lembro, exatamente, o que sentia. Tenho certeza apenas de que uma
centena de sentimentos, misturados com visões coloridas e brilhos de luzes
desconhecidas, tumultuavam minha cabeça. Mas era uma sensação gostosa, talvez
uma embriaguez prazerosa. Pássaros silenciosos saltitavam por entre touceiras
de capim, juntamente com as formigas e os lagartos apressados. Uma seriema piou
ao longe, a oeste; outra respondeu, ao norte.
Passei a noite meio sentado na areia, as pernas, ora
esticadas ora encolhidas,com as costas apoiada no tronco rugoso de uma árvore
de folhas oblongas e ásperas. Ouvi
muitos ruídos que me assustavam, uivos e guinchados mais distantes que me
obrigavam a abrir os olhos e a perscrutar a escuridão. A noite era
relativamente clara, sem lua, mas com um céu tão cheio de estrela que elas pareciam
mais baixas, mais próximas da terra. Tinha a sensação de que se levantasse,
esticasse o braço para cima, poderia tocá-las.
De manhã, quando o brilho vindo do leste estendeu-se pelo campo, desejei
agitar meus membros doloridos e caminhar na direção do meu destino.
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