quinta-feira, junho 09, 2016

VIAGEM COM POUCO DINHEIRO

Viajei para Itahum para conhecer a região. Levei dinheiro para comer alguma coisa por três dias e guardei o suficiente para pagar a passagem de volta à Itaporã. Não tinha sobra para ficar num hotel. Perambulei pela cidadezinha por algumas horas, comi um lanche simples num barzinho aconchegante e segui para os arredores. A cidade era  cercada pelo cerrado, terreno plano, arreia clara e árvores pequenas e esparsas.  Procurei uma parte deserta e calma para passar a noite. Com o cair da tarde, escolhi um local limpo, arenoso, com árvores retorcidas e moitas de capim barba-de-bode. Entre os ramos e touceiras destacava a superfície de areia muito fina, partes amarelo-amarronzado e  outras muito brancas. Lembrava um deserto só que mais vivo, mas verde e cheio de vida. Por um momento observei os pequenos lagartos correrem de um lado a outro e formigas perscrutarem as cascas das árvores. Era fim de tarde e um vento fresco começou a substituir o calor intenso do dia. Sentei-me no chão e abri minha mochila, disposto a escrever alguma coisa no meu caderno de anotações. Peguei a caneta, mas nada me vinha a mente. Aliás, uma multidão de coisas agitava minha imaginação, e nenhuma daquelas imagens associadas a sentimentos de toda sorte, demorava mais que alguns segundos. A luz diminuía constantemente.
Pensei comigo: vou dormir por aqui mesmo; quero alimentar-me dessa visão agreste por mais tempo. O terreno era incrivelmente regular e o horizonte parecia muito próximo. As pequenas árvores afastadas umas das outras balançavam delicadamente suas folhas ao toque da suave brisa do cair da tarde. Não lembro, exatamente, o que sentia. Tenho certeza apenas de que uma centena de sentimentos, misturados com visões coloridas e brilhos de luzes desconhecidas, tumultuavam minha cabeça. Mas era uma sensação gostosa, talvez uma embriaguez prazerosa. Pássaros silenciosos saltitavam por entre touceiras de capim, juntamente com as formigas e os lagartos apressados. Uma seriema piou ao longe, a oeste; outra respondeu, ao norte.
Passei a noite meio sentado na areia, as pernas, ora esticadas ora encolhidas,com as costas apoiada no tronco rugoso de uma árvore de folhas oblongas e ásperas.  Ouvi muitos ruídos que me assustavam, uivos e guinchados mais distantes que me obrigavam a abrir os olhos e a perscrutar a escuridão. A noite era relativamente clara, sem lua, mas com um céu tão cheio de estrela que elas pareciam mais baixas, mais próximas da terra. Tinha a sensação de que se levantasse, esticasse o braço para cima, poderia tocá-las.  De manhã, quando o brilho vindo do leste estendeu-se pelo campo, desejei agitar meus membros doloridos e caminhar na direção do meu destino.


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